enquanto eu não volto...

abandono o meu corpo devagar lamentando cada milésimo de segundo... alguém cuidará dele enquanto eu não volto?

quinta-feira, julho 07, 2005

Respeito

- És virgem?
- Não! – respondi prontamente com um ar quase ofendido.

Não… que disparate! Virgem! O sexo não era nenhum segredo para mim, não era nenhum tabu, não tinha qualquer tipo de limites, restrições, proibições, mas sobretudo não havia preconceitos. Eu nunca dizia ‘não’ quando me apetecia dizer sim e nunca compreendi este generalizado comportamento das minhas colegas face às tímidas primeiras investidas dos rapazes. Eu era muito diferente dessas ‘inhas’ ridículas, hipócritas, falsas…

Eu nunca neguei a minha curiosidade sobre o corpo, ou antes, sobre os corpos, o meu e o dos outros, masculinos ou femininos. Desde que me lembro que me toco, que exploro o meu corpo e o meu prazer e foi durante a infantil que explorei pela 1ª vez (que me lembre) o corpo duma colega minha. Novas oportunidades foram sempre aproveitadas e com a ajuda dum amigo 5 anos mais velho, aos 8 já desenvolvia a técnica do sexo oral com vista a potenciar o prazer masculino e outras brincadeiras que nós tivemos levaram-me a acreditar ter perdido a virgindade.

- Oh! Que horror! Ele deu-lhe um beijo na boca!

Donde é que isto vem?

Alguém me diga por favor! Ainda agora com 29 anos não consigo entender. É certo que eu levei as coisas talvez um pouco rápido demais e é verdade que isso me prejudicou e também é verdade que uma miúda de 11 ou 12 anos dificilmente toma as opções mais acertadas. Mas em que é que eu era diferente das minhas colegas? O que é que as levava a elas a negar a curiosidade, o desejo? Que razão era essa que as impedia de avançar nesse domínio e que me fazia sentir uma raiva tão grande, provavelmente recíproca, de todas essas ‘inhas’? Tão irritantes, tão complicadinhas, com os seus vestidinhos e os seus sapatinhos e os seus não me toques e os seu gritinhos histéricos…

Eu e o meu irmão uma vez nos jogos da paróquia durante as festas populares ganhámos um livro chamado ‘Marcelo, Marmelo e Martelo’ e uma das estórias era sobre duas meninas que se detestavam exactamente por uma ser uma Maria-rapaz e a outra ser muito feminina. A minha vida era como essa história em que todas as minhas amigas eram demasiado femininas para o meu gosto e eu demasiado Maria-rapaz para o gosto delas. Só que eu nunca cheguei a fazer as pazes com elas.

Consegui voltar a ter amigas quando também elas começaram a querer entrar no mundo dos rapazes onde eu circulava livremente, mas rapidamente uma nova razão se insurgiu contra a amizade no feminino: a competição. Finalmente todos aqueles tontos que tantas patadas levaram daquelas palerminhas iam tendo algumas conquistas e surpreendentemente passaram-me para o lugar de ‘melhor amiga’ e depois para o lugar de ‘uma amiga com quem se pode contar quando levamos um tampa daquela de quem realmente gostamos’ e finalmente para a posição que entretanto passei a ocupar de ‘… prefiro não dizer.
Desta vez não estava disposta a perder as minhas amigas. Descobri que precisava muito delas: eram muito úteis para conhecer novos rapazes; é muito mais fácil um grupo de rapazes meter conversa com um grupo de raparigas do que o singular dessa situação; e apesar dos rapazes serem muito mais amigos e mais sinceros do que as raparigas, eles andavam a guardar esse privilégio uns para os outros e o exílio total não devia tardar.

A coisa avançou de tal maneira que hoje não sei o que é ter um amigo, não sei lidar com rapazes. Logo eu que sempre me gabei de ter um relacionamento tão saudável com a minha sexualidade não consigo ter um amigo sem misturar as coisas. Todos os amigos que eu tenho ou são antigos namorados ou curtes, ou são um interesse recente ou são munições de reserva que se conservam e estimam em tempos de paz para usar em tempos de guerra.

Está tudo errado! Mas esteve sempre tudo errado? Desde quando? Desde os 5 anos e da exploração do corpo feminino? Desde os meus 8 e os 13 dele? Desde os 12 quando respondi não ser mais virgem, tornando injustificável (achava eu!) a recusa do que a seguir se passou? Uma coisa é certa: eu afastei-me do caminho comum e ao ser julgada e criticada a minha defesa (brilhante!) foi afastar-me ainda mais e fazer da liberdade sexual uma luta que travava contra todos usando a minha própria existência, a minha própria conduta como exemplo. Chamaram-me muitos nomes e contaram todo o tipo de coisas a meu respeito mas eu andava de cabeça erguida, orgulhosa por estar a fazer algo pelas pequenas oprimidas que vivessem atrás de mim neste Mundo machista e como tal injusto e incoerente. De cabeça erguida mas a sofrer por dentro. Estes foram sem dúvida os melhores anos da minha vida!

Quando as outras cabeças cresceram e tudo acalmou, uma parte da minha vida deixou de fazer sentido. É claro que eu não pensava nisso e ia vivendo dia após dia. O resto do sentido foi-se quando a minha primeira paixão me traiu. E eu continuava a não pensar nisso. Era uma pessoa extremamente optimista e bem disposta e vivia bem, mas comecei a definhar… sem pensar nisso.

Eles falam, falam, falam… e eu ando aqui às voltas!

Gostava de voltar a acreditar tanto em mim como acreditava antigamente. Andar de cabeça erguida quando me apontavam no colégio… hoje duvido que alguém perca o seu tempo a pensar bem ou mal de mim e mesmo assim não consigo andar de cabeça erguida. Claro que tenho uma vozinha interna que, quando eu deixo, diz…Que pessimismo destruidor! Está tudo na tua cabeça sua tonta! Tens muitos amigos e amigas e sempre tiveste. Apesar de tudo sempre houve pessoas que te respeitaram e te deram valor pelo que tu és. Muitas pessoas até… considering! Porquê este negativismo todo? Não são os outros que não te respeitam… há-de sempre haver pessoas bem e mal formadas no teu caminho, pessoas que gostam da tua maneira de ser e pessoas que não gostam de ti, pessoas mais compreensivas, pessoas mais intolerantes, pessoas mais práfrentex, como a tua avó, e pessoas mais casmurras, de horizontes mais limitados. A resposta não está nos outros, está em ti! Tu é que tens de te respeitar e acreditar em ti e só assim os outros voltarão aos seus lugares na tua vida. Segue o teu caminho sem hesitar porque são as hesitações que, fragilizando o teu interior, abrem as portas às agressões exteriores.

Fixe! Sinto-me muito melhor agora! Na verdade estou na mesma. Continuo na mesma. Continuo sem saber qual é o meu caminho! Eu quero uma Auto-estrada na minha vida! (17 de Janeiro de 2003 00:50)