enquanto eu não volto...

abandono o meu corpo devagar lamentando cada milésimo de segundo... alguém cuidará dele enquanto eu não volto?

quinta-feira, julho 07, 2005

John

Estava na idade de brincar com bonecas, de viver no reino encantado dos príncipes e princesas e cavalos alados. Não sei exactamente como ou quando começou mas ao princípio não era John, era um rapaz anónimo, um pouco mais velho que eu e que todos os dias enfrentava novos desafios. Foi ao conhecer o pai, John Rambo que John ganhou nome, um passado e um fio condutor na sua vida…

Foi no Vietnam que John nasceu, fruto da paixão entre Rambo e uma linda vietnamita, numa aldeia isolada que tinha acolhido o militar americano enquanto ele se recuperava de graves ferimentos em todo (quase) o corpo.

Recuperado, Rambo abandona a aldeia sem chegar a saber da existência do seu filho. Com poucos anos de vida, John assiste ao massacre da sua família por soldados americanos e foge para viver escondido na selva por alguns anos até ser resgatado por Harris[1], um oficial americano que o adopta e educa já nos EUA, sob a disciplina militar que acreditava ser a melhor formação.

É ainda no Vietnam, em missões especiais que o seu profundo conhecimento do território possibilitavam, que os capítulos começam, episódios com ou sem continuação, mais ou menos fantasiosos, mais ou mais sofridos.

John é um miúdo corajoso e habilidoso em tudo o que faz. Também é muito esperto e foi ao conseguir roubar a comida do pelotão de Harris durante tanto tempo sem ser apanhado que ganhou a simpatia e admiração deste. John ao princípio não confia em Harris, como em nenhum americano, vivendo assombrado pelas imagens violentas de tortura, violação e morte na sua aldeia.

Já nos EUA, frequenta um colégio interno que também não lhe dá tréguas, mas John não se deixa amansar e o seu espírito rebelde permanece imperturbável face aos mais variados castigos e torturas impostos no colégio e pelo pai adoptivo.

Durante muito tempo, John vive os mais sórdidos, ou mais cómicos, ou mais heróicos episódios, sempre bem abastecidos de desafios à sua destreza física e frequentemente recheados de punições sexuais, e cujo tema podia ser, ou não, fiel à sua história, mas que geralmente encontravam inspiração em acontecimentos da vida real ou da televisão.

Lá para os meus 10-11 anos, John começa a interessar-se por uma rapariga também interna no colégio e o seu novo grande desafio passa a ser encontrá-la (escalando as paredes da ala das raparigas, fazendo rapel desde o telhado, arrombando portas, etc.). Continua a ter de enfrentar os duros castigos que se seguem mas tudo vale a pena. Ninguém o vai impedir de fazer o que ele quer. É durante os seus encontros que eu volto a ser eu. É comigo que o John se vai encontrar, é comigo que descobre a paixão, as brincadeiras atrevidas, os beijos… os dois descobrimos o corpo, o prazer, o sexo. Através destes encontros no pequeno quarto de um colégio interno nos EUA vivi a beleza da primeira vez, a felicidade de ser amada, recuperei a inocência.

Aos poucos John transformou-se em mim, até que tomou um papel anónimo e secundário, porém primordial para me resgatar das garras dos coronéis esfomeados. A minha imaginação entretanto vai para o espaço já que a partir de certa altura o episódio da escrava sexual torna-se recorrente, até tudo acabar, não sei exactamente como ou quando. (17 de Janeiro de 2005 19:53)
[1] Harris é nome de mulher, mas eu não sabia.

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