enquanto eu não volto...

abandono o meu corpo devagar lamentando cada milésimo de segundo... alguém cuidará dele enquanto eu não volto?

quinta-feira, julho 27, 2006

A sardinheira de Hitler


Em casa da minha família existe uma sardinheira da qual cuido regularmente. Nem gosto especialmente de sardinheiras, costumo até achá-las feias, mas aquela sinto-a como minha porque, desde que comecei a mimá-la, tornou-se a mais bela das sardinheiras e presenteia-me com vigor e flores vistosas de um rosa forte. A única coisa que eu lhe faço é arrancar, sem dó nem piedade, as folhas estragadas com aquelas manchas tão características das folhas de sardinheira. Olho e arranco e arranco e olho e procuro e espreito e arranco e arranco. Depois de tirar todas as folhas com manchas, começo a arrancar também folhas velhas e, à medida que vou avançando, os meus critérios de selecção vão-se alterando e tornando cada vez mais exigentes, e sigo para as folhas partidas e deformadas.

Estava eu no outro dia toda entretida e contente a arrancar folhas quando me horrorizei com o meu próprio comportamento. Afinal que direito tenho eu de decidir que folhas vão ficar e que folhas arrancar?... Quem sou eu para ditar o que é melhor para a sardinheira e para as suas folhas? Não consigo evitar comparar-me com Hitler e questionar-me se, caso a humanidade enlouquecesse e os propósitos de Hitler tivessem sido concretizados, também os critérios de selecção de indivíduos dignos de pertencer ao Mundo teriam sofrido afinação em cima de afinação, como a minha limpeza da sardinheira. A verdade é que é tudo relativo. Dentro do Universo do que conhecemos vai sempre existir aquilo que consideramos melhor e pior e todas as nuances intermédias. Por muito que queiramos eliminar os extremos (ou pelo menos o extremo que consideramos pior) nunca vai ficar tudo igual (e ainda bem!) e sempre, mas sempre vai haver melhor e pior...

Não sei se devo continuar a arrancar folhas da sardinheira.

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