enquanto eu não volto...

abandono o meu corpo devagar lamentando cada milésimo de segundo... alguém cuidará dele enquanto eu não volto?

domingo, julho 03, 2005

200

Descíamos a recta do Ramalhão[1] a 200[2] pelo meio dos carros[3] e eu amava-o. Amava aquela sensação. E precisava dele para vivê-la. Precisava desesperadamente.


“Quando for grande quero ter uma fábrica de pastilhas elásticas” dizia-me ele com 16 anos como se ainda tivesse 5… e eu amava-o! Com 14, eu ainda não sabia que já havia chegado a altura de seguir, de nos fazermos ao caminho… Já alguns comboios tinha perdido quando comecei a descobrir.


Ao fim de 2 anos e meio ele roubava gasolina dos carros e eu achava aceitável; fechava-se no quarto com um amigo que se drogava e eu acreditava que ele não cheirasse; cheguei a saber que roubou o Arai[4] ao pai e eu mesmo assim não conseguia perceber nada! Também não percebia nada quando ele ficava a dormir em casa da Marta, com quem estava sempre aos beijinhos no pescoço e a fazer cócegas e quando ia só com ela ao 100%[5] que já foi Louvre que já tinha sido KWA!


Foi preciso muito para conseguir perceber algumas coisas. Foi preciso ele falhar muito comigo para eu começar a abrir os olhos. Foi preciso encontrar as cartas da Marta, denunciando a dupla traição: o meu namorado e a minha amiga! Aquele namorado em quem pensava dia e noite, literalmente! O meu primeiro amor! Por quem enfrentava o Mundo, o meu Mundo, que estava sabiamente contra nós. Para o encontrar percorria a noite sozinha; para o receber abria a janela do meu quarto; para o amar invadi fábricas abandonadas, descampados, antigas instalações pecuárias… O desejo que sentia tornava qualquer lugar num hotel de charme e qualquer chão na mais confortável das camas! Foi preciso muito para conseguir perceber que ele não prestava.


Agora até já se casaram. Fui lá vê-lo no outro dia, ao 31 da Armada[6] onde trabalha quase desde que acabámos, há mais de 10 anos. Estava com o meu namorado no aniversário da ex-namorada dele e resolvi ir dizer-lhe um olá (doce vingança! O destino tem destas coisas… ). Calhou ser a véspera do casamento dele com a Marta! Foi mesmo assim! Se tivesse ido lá no dia seguinte provavelmente não estaria lá! Digo provavelmente porque até admito a hipótese de o ver lá a trabalhar no dia do casamento, já que estava a trabalhar na véspera, estranho, não é? Mais a mais sendo genro do patrão (só podia ser o sogro para lhe dar trabalho… já nem o pai se mexe por ele!).


Não estava lá a Marta. Há alguns anos atrás, quando eu tive um jantar de caloiros e fui lá dar-lhe um beijinho e saber novidades, a Marta estava lá e ficou tão branca e assustada quando lhe disse “olá Marta!” que parecia que ia desfalecer e devagar, muito devagar (não fosse eu perceber!), virou-se e subiu as escadas do fundo. Desta vez estavam lá a Marina e a Mariana, as irmãs dele, que eu confesso que gostei muito mais de ver apesar de ainda ter as minhas contas a acertar com a Marta! Um dia ainda a apanho… ”desArmada”[7]… e quando esse dia chegar vou poder finalmente encerrar esta estória… vou poder finalmente agradecer-lhe! (4 de Agosto de 2004 13:03)

[1] À saída de Sintra para o Estoril ou Cascais.
[2] 200 Km/h.
[3] Íamos de mota!
[4] É triste, mas tive de acrescentar mais esta legenda “a pedido de várias famílias”. Arai é uma das melhores marcas de capacetes. Quando se diz “o Arai” quer-se dizer “o capacete de marca Arai”. Bolas que é preciso explicar tudo!
[5] Antiga discoteca por baixo do antigo Hotel Paris, no Estoril (estou antiga!).
[6] Em Alcântara, bar de um lado, onde ele trabalhava, restaurante de outro, onde eu jantava.
[7] É um trocadilho… desarmada assim como quem diz sozinha, sem estar ali no 31 da Armada!